Dia da Mulher: lutas, avanços, mitos e reflexos da pandemia

Fonte: IBDFAM
08/03/2021
Direito de Família

O Dia Internacional da Mulher é celebrado nesta segunda-feira, 8 de março. Mais do que uma comemoração das conquistas e da evolução na busca pela igualdade de gênero, a data lembra que esse ideal ainda está longe da realidade. Trata-se da oportunidade de se destacar e endossar a luta feminina, já que o machismo, a misoginia e o patriarcado ainda fazem parte da sociedade brasileira.

"Ainda há quem ironize a data, questionando o porquê de um dia da mulher. Sempre vem aquele argumento, um tanto infeliz, de que não existe um dia internacional do homem. Ora, o homem não precisa de um dia, porque já tem todos os dias", comenta a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.

A especialista explica: "O Dia Internacional da Mulher é a demarcação de um momento de luta, da necessidade de se reescrever a história da humanidade, que sempre foi contada pelo viés masculino, nunca das mulheres".

Não se trata de uma data comemorativa, mas de convite à reflexão e à ação. "Não é dia de dar parabéns às mulheres, flores nem chocolate. É um dia para emprestar solidariedade e cumplicidade. É disso que nós precisamos: arregimentar força não só das mulheres, mas também dos homens nessa luta em prol da igualdade", ressalta Maria Berenice.

Mito ronda a origem da data

Para a advogada e professora Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM, o Dia Internacional da Mulher serve para reforçar a busca por equidade, os avanços e os desafios persistentes, além do histórico de lutas pela transformação da sociedade.

Segundo a especialista, há um falso entendimento quanto à origem da data. "Ao contrário do mito disseminado de que o Dia da Mulher foi instituído em função de um incêndio em uma fábrica em 1857, que matou centenas de trabalhadoras nos EUA, a data é uma construção das mulheres feministas no início do século XX", explica a especialista.

As informações que contestam a tese da greve estão no livro “O Dia Internacional da Mulher – Os verdadeiros fatos e datas das misteriosas origens do 8 de março, até hoje confusas, maquiadas e esquecidas”, da intelectual canadense Renée Côté, resultado de uma pesquisa de 10 anos em todos os arquivos da Europa, EUA e Canadá.

"Precisamos repetir sempre que o objetivo é rediscutir o papel da mulher na sociedade em um esforço para tentar diminuir e, quem sabe um dia terminar, com o preconceito, a desvalorização e a violência contra a mulher. Muito foi conquistado nessa caminhada de lutas, mas ainda há muito caminho a percorrer", frisa Adélia.

Concretização dos direitos

A concretização dos direitos da mulher demanda múltiplas ações não só do Estado, mas também a participação indispensável da sociedade para enfrentamento de uma cultura milenar de sujeição. Questões como a disparidade salarial entre homens e mulheres, a dupla jornada de trabalho e a sub-representação da mulher nos espaços de poder e na política, sua vulnerabilidade, sua presença nos setores econômicos informais e nos guetos ocupacionais estão entre os desafios.

"Sabemos que mudanças dos padrões sexistas, de condutas e atitudes preconceituosas não ocorrem como consequência automática da sociedade democrática. Há a necessidade de repensar os saberes que a educação formal estão construindo – desde os primeiros anos escolares até a graduação e pós-graduação, as Escolas da Administração Pública, as Academias de Polícia, as escolas da Magistratura, da Advocacia ou do Ministério Público", destaca Adélia Moreira Pessoa.

Segundo ela, um dos maiores desafios da contemporaneidade é promover a articulação entre o particular e o profissional, bem como a implementação de medidas para eliminação de desigualdades e discriminações nos ambientes de trabalho. "Os efeitos da relação trabalho e família manifestam-se apenas entre as mulheres e não entre os homens; oferta de trabalho e qualificação determinam o trabalho masculino, enquanto o feminino enfrenta condicionantes familiares", diz, dando um dos sinais da discriminação.

Neste contexto, Maria Berenice Dias nota o surgimento de um neofeminismo. "As mulheres, depois de alguns avanços e reconhecimentos de direitos, se deram conta de que o conquistado não é suficiente. Precisamos de respeito às diferenças, com igualdade de oportunidades. A luta das mulheres precisa ter esse caráter emancipatório", destaca.

Atenção à igualdade de gênero

Exemplo desse ímpeto é a resolução do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, aprovada na semana passada, para o emprego obrigatório da flexão de gênero ao nomear profissionais e outras designações nos meios de comunicação social e institucional do Poder Judiciário. A determinação inclui dos estagiários e estagiárias aos desembargadores e desembargadoras.

"Essa resolução do CNJ tem enorme significado para a visibilidade das mulheres. Chega de achar que o masculino nos representa. Não nos representa, não é um sexo neutro. Essa sempre foi a desculpa encontrada para nos impor invisibilidade e submissão", avalia Maria Berenice.

Recentemente, o IBDFAM enviou ofícios a órgãos do Poder Judiciário sugerindo a alteração de seus nomes de forma que contemplem a diversidade de gênero e o princípio da isonomia. De acordo com a sugestão, a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e a Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB se tornariam, respectivamente, Ordem da Advocacia Brasileira e Associação da Magistratura Brasileira, sem prejuízo de suas siglas. Por essa ação, o Instituto recebeu muitas críticas nas redes sociais.

A vice-presidente do IBDFAM defende a importância da medida: "Várias instituições e conselhos, como de engenharia e medicina, já são identificados pela profissão, não pelos profissionais. Se um dia [a designação masculina como neutra] teve sentido, não tem mais. Nós mulheres representamos um número significativo da parcela de profissionais da área do Direito no Brasil. Temos que buscar reconhecimento em todas as frentes".

Violência doméstica e feminicídio

"A necessidade de se marcar o Dia Internacional da Mulher também se torna evidente com os números da violência doméstica e do feminicídio", afirma Maria Berenice. Segundo o Monitor da Violência do Núcleo de Estudos da Violência da USP e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em novembro, houve um aumento nos homicídios motivados por gênero entre o primeiro semestre de 2019 e o mesmo período de 2020.

Foram 1.848 homicídios dolosos nos primeiros seis meses de 2019, índice que subiu para 1.890 em 2020. Os feminicídios saltaram de 622 para 631. Os dados de violência sexual também são alarmantes: uma pessoa foi estuprada a cada oito minutos no Brasil em 2019, sendo que 87% das vítimas eram mulheres e mais da metade tinha menos de 13 anos.

"O Brasil é um dos países que mais mata mulheres em todo o mundo, ocupando a quinta posição [de acordo com o Mapa da Violência de 2015, organizado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais - FLASCO], e dessas mulheres, a maior parte das vítimas são negras", ressalta Adélia Pessoa.

Reflexos da pandemia

Segundo a diretora nacional do IBDFAM, o mundo assiste atualmente a duas pandemias: uma sanitária e emergencial, de Covid-19, e outra que já existia anteriormente e, muitas vezes, fora invisibilizada, mas emergiu com maior gravidade neste momento, a de violência doméstica e familiar. A quarentena trouxe grande impacto em conflitos familiares, aumentando a vulnerabilidade das mulheres às variadas formas de agressão, além de outras variadas repercussões.

"As mulheres, em sua maioria, ainda são responsáveis pelo trabalho doméstico e cuidado com os filhos, e estão mais oneradas com o aumento das demandas no espaço domiciliar, a presença das crianças em casa, fechamento de escolas e creches. Além do trabalho em home office, quando é possível, estão também ocupadas com a educação de filhos, vários em atividades de aprendizagem telepresencial. A esperança é que os homens tenham aprendido a partilhar as responsabilidades das atividades domésticas que, culturalmente, foram impostas às mulheres."

Desde o ano passado, as vítimas de violência também enfrentam obstáculos adicionais, como a maior dificuldade de acesso aos serviços de proteção e ao sistema de justiça e maiores barreiras para se separar do parceiro violento, devido ao impacto econômico na vida de suas famílias. Aliado a isso, o desemprego durante a pandemia também afetou mais as mulheres.

Publicada em julho do ano passado, a Lei 14.022/2020 prioriza como serviço essencial o atendimento às pessoas vulneráveis vítimas de violência. Ao lado das pesquisas que apontam o aumento da violência contra a mulher, vários estudos também indicam a ocorrência de subnotificação de tais episódios às autoridades públicas, uma vez que as restrições decorrentes do isolamento acabam por dificultar o processo de notificação, de acordo com Adélia Pessoa.

"A diminuição do registro nas delegacias explica a queda no número de Medidas Protetivas de Urgência concedidas pelo Poder Judiciário, em muitas unidades da federação, durante os primeiros meses da pandemia, dado que a polícia é a principal porta de entrada no sistema de justiça de mulheres em situação de violência doméstica. A redução desses registros nos primeiros meses da pandemia não parece apontar para a redução da violência contra meninas e mulheres, pois a culminância do processo da violência doméstica ocorre com o feminicídio."

A advogada frisa: "É necessário e urgente que tais normas sejam acompanhadas de aporte financeiro pelo governo federal aos estados e municípios mais pobres, pois muitos se encontram em penúria extrema, com arrecadação baixa e despesas extraordinárias causadas pela pandemia."

Autocuidado

Para o Dia Internacional da Mulher, Adélia Pessoa ressalta uma palavra: "autocuidado", comportamento que envolve emoções, sensações físicas, pensamentos, alimentação, sono e outros fatores relevantes para o autoconhecimento. Ela cita a feminista americana Audre Lorde (1934-1992): "Autocuidado não é auto-indulgência, é autopreservação, e esse é um ato de bem-estar político".

"O autocuidado é um ato revolucionário em uma sociedade que ignora a escuta. Vamos escutar o nosso eu, o que nosso corpo, mente e espírito está dizendo por meio dos sinais que nos envia, diuturnamente. Historicamente, fomos ensinadas a cuidar da família, dos filhos, ou seja, a cuidar do outro. Porém, para estarmos saudáveis, é preciso aprender a cuidar de nós mesmas, e isso é um aprendizado constante. A pandemia nos tem ensinado isso", comenta Adélia.

Ela conclui: "Cumpre-nos reconhecer as nossas necessidades essenciais, evitando maniqueísmos, abandonando a culpa atávica que acompanha as mulheres, ainda tão recorrente em nosso mundo atual. Urge compreender e respeitar as mudanças no nosso corpo, de nosso emocional, em meio a esta pandemia".


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