Pandemia fez número de sentenças de adoção cair 26% em 2020

Fonte: O Globo
22/03/2021
Direito de Família

A pandemia da Covid-19 atrasou a finalização dos processos de adoção no Brasil em 2020. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no ano passado houve uma redução de 26,4% na concessão de sentenças de adoção no país se comparado a 2019 — a queda foi de 3.013 para 2.216 decisões. Enquanto isso, o Brasil tem atualmente 4.977 crianças e adolescentes disponíveis para adoção, segundo o CNJ.

Além das dificuldades de procedimentos advindas da pandemia e de seus novos protocolos de segurança sanitária, a crise global fez com que muitas famílias simplesmente adiassem o sonho de adotar uma criança, explica Monica Labuto Fragoso Machado, juíza titular da 3ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Rio:

— Muitos pretendentes estão desempregados ou com alguém da família doente. Tivemos, inclusive, caso de óbitos por Covid-19 de pretendentes à adoção. E alguns habilitados disseram que tinham pais idosos e que não poderiam fazer estágio de convivência, pedindo a suspensão do cadastro. Também observamos que o aumento dos casos de divórcios acabou ensejando a desistência de habilitados, além de que médicos e enfermeiros habilitados que pediram a suspensão (do processo) por conta das grandes jornadas de trabalho.

Na contramão da queda nas adoções, houve em grande parte do Brasil uma tentativa de esvaziamento dos abrigos durante a pandemia. O objetivo era proteger crianças e adolescentes da contaminação pelo coronavírus.

Para que isso fosse possível, aconteceu uma corrida contra o tempo, entre fevereiro e março do ano passado, para avaliar com mais rapidez as famílias candidatas à adoção. Outras alternativas foram pesquisar se havia a possibilidade de os menores voltarem para suas famílias biológicas ou irem para um lar adotivo temporário.

— Na pandemia, o foco de trabalho dos servidores mudou. Agora, em vez de estarem preocupados em preparar novas famílias para adoção, eles passaram a trabalhar para tirar crianças abrigadas e tratar as denúncias de maus tratos contra crianças em famílias disfuncionais num contexto de isolamento social — afirma Saulo Amorim, coordenador do Grupo de Apoio à Adoção Cores da Adoção no Rio de Janeiro e membro do Observatório Nacional da Adoção.

Novos procedimentos

Quando as medidas restritivas de circulação começaram a ser empregadas nos estados, os processos de adoção tiveram que ser adaptados. Em boa parte das comarcas do país, o que era presencial se tornou online.

Assim, avaliações psicossociais das famílias candidatas a adotar, a aproximação com as crianças e adolescentes e até as audiências que autorizavam tanto a ida dos tutelados para a casa da família pretendente, quanto as adoções em definitivo, passaram para o ambiente virtual. No entanto, o tempo para concluir estas adaptações variou de acordo com o nível de informatização do Tribunal de Justiça de cada cidade.

— Percebemos que em várias situações era perfeitamente possível fazermos tudo à distância. Poucos foram os casos que o setor técnico indicava que era preciso fazer um estudo presencial, olho no olho com os pretendentes a adoção. O impacto da pandemia acabou sendo muito menor do que o que consideramos que seria de início — afirma Iberê Dias, juiz da Vara da Infância de Guarulhos (SP).

Este novo modelo de adoção foi vivenciado pela profissional de marketing digital Cristiane Borges, de 35 anos, e por seu marido, Rafael Soares, de 29. Eles se habilitaram como família adotante em novembro de 2019. No entanto, só começaram o processo de aproximação com os filhos em maio do ano passado.

— Começamos a conversar por videoconferência todos os dias, o que foi bem difícil porque as crianças não prestam atenção, ficam cinco minutos e não querem mais. Ainda mais com três crianças ao mesmo tempo — conta a mãe de Weverton, 12 anos, Vivian, 10, e David, 5.

Segundo ela, o caçula era muito tímido, então não falava nada. O maior saía de frente da câmera toda vez que os pais falavam algo com que ele não concordasse. E a menina foi mais tranquila.

— Eles brigavam entre si em frente à câmera para ver quem falava no microfone. Isso durou um mês — lembra.

Em junho, Cristiane recebeu autorização judicial para levar as crianças para passar o dia com ela. No dia seguinte, foi autorizada a passar uma semana com os filhos. No final do mês, saiu a guarda provisória. Os três irmãos estão com ela e o marido desde então.

A moradora do Rio Andréa Luiza também teve a experiência de adotar na pandemia. Ela viu o filho num grupo de WhatsApp e se apaixonou pelo menino de 9 anos, que morava em Maceió. Foram quatro meses falando apenas pelo telefone — como era pelo aparelho dos assistentes sociais foram poucos minutos por dia.

— Depois disso, ele passou um fim de semana com a gente, autorizado pelo abrigo quando mostramos o teste negativo para a Covid — lembra a mãe, que se derrete: — Foram seis meses até termos nosso príncipe moreno lindo em casa.

Daniela Pedras, de 40 anos, não teve a mesma sorte no seu processo de adoção. Moradora de São Paulo, ela vive na Lapa, bairro cuja comarca suspendeu as habilitações on-line. Por isso, ela segue, desde antes da pandemia, tentando passar pelas avaliações psicossociais para que consiga entrar na fila de adoção:

— Outras comarcas da cidade aderiram às avaliações on-line e estão fluindo normalmente. Mas eu estou aguardando até agora.

No entanto, apesar de alguns percalços, o que surgiu como alternativa para driblar um momento de crise sanitária deve virar rotina nas Varas da Infância e Juventude.

— Não tenho dúvida que esse novo formato de trabalho veio para ficar no judiciário como um todo. O que antes era exceção, invertemos o olhar. Não vou abrir mão da aproximação online, principalmente nos casos de adoção com famílias de outros estados. Com a tecnologia, é possível conversar todos os dias com o acompanhamento da nossa equipe de técnica supervisionando — diz a juíza Noeli Salete Tavares Reback, coordenadora estadual da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Paraná.


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